Pequeno Oratório Do Poeta Para O Anjo
Pequeno Oratório Do Poeta Para O Anjo
A poesia brasileira está de luto. Perdemos no mesmo dia a poetisa Neide Archanjo e o grande poeta amazonense, Thiago de Mello, que abandonou o curso de Medicina no quinto ano para se dedicar ao jornalismo e à literatura. Após o Golpe de 1964, o poeta exilou-se em Santiago do Chile, onde vivia seu amigo Pablo Neruda, e lá escreveu o seu mais célebre poema: “Os Estatutos do Homem”, publicado no livro Faz Escuro Mas Eu Canto: Porque a Manhã Vai Chegar (1965).
Neide Archanjo nasceu na cidade de São Paulo em 1940. Formada em Direito e Psicologia, exerceu por muitos anos, o cargo de Assessora da Fundação Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Seus poemas figuram em antologias nacionais e estrangeiras. Em 1995 foi indicada para o Prêmio Jabuti, de poesia com o livro Tudo e Sempre Agora.
Em 1970 sua obra “Pequeno Oratório Do Poeta Para O Anjo” transformou-se em um grande espetáculo interpretado por Maria Bethania, no Rio de Janeiro. O livro é um verdadeiro deleite para os seus leitores, a começar pelos títulos dos poemas, que são nada mais, nada menos que belíssimos haicais. Um poema dentro de outro poema.
Para Affonso Romano de Sant’Anna, escritor e poeta que assina o posfácio do livro, Neide Archanjo “é poeta da melodia e da harmonia. O poema é núcleo, ninho sonoro, novela verbal desfiando-se mansamente. Ela pertence à hierarquia dos anjos mencionados por Rilke (e por ela aludidos), para quem a poesia é suave grito interior”.
Abaixo, elenco algum dos apolíneos haicais do livro:
Era Páris
e parecia ser Heitor.
Era Páris.
Era quimera
e parecia ser o amor.
Era quimera.
Era agosto
e parecia ser setembro.
Era agosto.
Era o mar
e parecia ser o mar.
Era o mar.
Era musa
e parecia ser Anjo.
Era musa.
Era dor
e parecia ser gozo.
Era dor.
Era flecha
e parecia ser alvo.
Era flecha.
Era ômega
e parecia ser alfa.
Era ômega.
Era uivo
e parecia ser sussurro.
Era uivo.
Era o caule
e parecia ser a flor.
Era o caule.
Era candeia
e parecia ser o lume.
Era candeia.
Era foz
E parecia ser fonte.
Era foz.
Era garça
e parecia ser garça.
Era garça.
Era o visitante
e parecia ser o amigo.
Era o visitante.
Era a Beleza
e parecia ser a Beleza.
Era a Beleza.
Imagens: Pinterest